terça-feira, 28 de outubro de 2014

Iemanjá.

                Vestida de branco, carregava duas rosas brancas e languidas  do calor soteropolitano ,pisou na areia quente e branca, mesma areia em que pescadores pisavam,suados,testas franzidas e iscas esperando peixes, mesma areia dos cartões postais.O vento levantava seu vestido curto,balançava seus cabelos também curtos. Sua pele morena, suas mãos carregando rosas, os barcos quietos no mar,o cenário foi de azul-verde-mar,foi um delírio de luz , ali meus olhos nadaram livres, gratos,como quando um sol me invade.
                 As rosas dançaram no quebrar das ondas,Iemanjá lhe sorriu, eu sei, vi no horizonte.Areia, água salgada, pétalas dissolvendo-se na infinidade verde daquela manhã, sol pintando minha pele. Os pescadores curiosos adivinhavam a conversa das mulheres de água, apesar do olhar afoito pelo corpo de mulher, silenciavam, a fé na Rainha do mar, ou a espera do peixe, calava os desejos dos pescadores,e em paz seus olhos conversaram com ela. Nos pentes,perfumes e exuberância dentro de pequenos barcos escupidos em gesso leve repousavam os enfeites para agradar Iemanjá,lá seus olhos repousaram,emocionados do seu sal, brilhantes como aquele sol que brilha nas pequenas ondas , eu sorri e rezei uma reza de água,uma reza de sertaneja que encontra o mar pela primeira vez.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A fragilidade do olho que vê.

  O medo pode minguar a lua prometida,na fundura de um coração alheio ruínas podem ser obstáculos de cimento e pedra, mas na sabedoria do gozo um encontro se faz mar, não sem o medo do ímpeto de uma cismar maior acumulando cinza sob castelos pisados de talco e mantra. O cheiro de cravo e açúcar cozinhando um coração nu e recém-nascido ,impropérios de uma carne virgem de unção e rito pulsando a espera das horas por  um sim que nunca mentiu a carne crua de um carnaval às avessas.Um olhar move um oceano e destrói cidades ,mesmo  distante,erguidas sobre festim e bálsamo. Arrancar uma janela da tua casa e levar seus medos para terreiros pagãos, festejar num balão a vontade de voar, desesperar nas tuas mãos as dores que o mundo me cingiu nos olhos ou ser silêncio e olhos querendo teu corpo como um corpo carente de pão,água e palavra, comer as nuvens nos signos que tua língua enreda, ser ouvinte do teu canto de sereia, nas alegorias vistas e revista ,deixar que seja tua palavra pão e água do meu corpo. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

mãos

O meu mundo está feio
O meu olhar quer cair nas tuas mãos,essas
mãos que tricotam lã
e verbos
misturam temperos
escrevem artigos

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Repartida

                        Deixou os filhos com o marido bêbado, burguês e bruto e fez as pazes com o vento. Chorou pelo destino de Laura, a mais nova, Ricardo, mais velho e já bruto, adolescia sob um cara ossuda semelhante  à figura do pai. Helena abortara duas vezes no último ano, uma viagem para um congresso e depois uma noite de sexo com seu melhor amigo,tudo retalhado pelo medo. Rasgados os sonhos e repartidas as responsabilidades,a culpa foi convidada a se retirar.
                 Quis trocar as roupas ,trocar o corte de cabelo e o andar, e assim fez. Curtos e claros substituíram longos negros, e seu batom vermelho virou o imperativo de sua boca. Não foi simples, como tudo que Helena vivera, foi de sangue, medo e pulso.E assim numa quarta-feira de manhã depois de deixar Maria na porta da escola,ela soluçou dois dias e viajou para um país onde a língua não lhe lembrasse os signos de seus estigmas e quando acordada sob o pôr do sol de um país estranho chorou nos braços do mar, todos a chamaram "louca" numa língua que lhe soara mole,ela amou o desconhecido e deixou em Laura e Ricardo novo signo de mãe, arrancou as algemas umbilicais e foi e deixou viver.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ipê amarelo.



              Dona Joana quis a vaidade de planejar um filho, e o sonho do filho próprio abriu-lhe em sangue, grito e placenta ,seu lugar no mundo.
         Nascido em fevereiro,Augusto era mais alegoria que homem.Filho adulado de dona joana,ele levava a vida com a mesma alegria de quem passa uma catraca de metrô numa segunda-feira de manhã. Augusto não gostava de viajar e nem de pão francês,bebia chocolate quente todas as noites,e nunca perdera um dia de trabalho.Um dia esse rapaz saiu da rotina comum e feia,foi assim: atravessando uma esquina movimentada perto de um parque que nunca entrara, um exuberante ipê apareceu, assim como os anjos materializam-se (que nem nos filmes), e tomou  tudo o que antes era vista de Augusto, tonto da beleza viva que o ipê atava ao seu itinerário,ele não viu quando uma bicicleta o atingiu, na queda depois da batida, ele ralou os cotovelos. Lúcia,florista,voltava da loja que Augusto nunca entraria não fosse um ipê amarelo luzindo amor na cidade.
                Ele ficou uns dias afastados do trabalho, e Lúcia pôde apresentá-lo, numa tentativa de recuperar-lhe a queda,às flores mais macias e cheirosas de seu jardim.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A generosidade do mundo.

Porque depois de dez anos aqui, já estranho menos a cidade, o susto é todo dia, porque por aqui todo dia vejo um jeito novo de vestir, de pagar as contas,de dar às mãos a um outro.Ganhei tanto,não imóveis, grana,estabilidade, rendimentos, e esse imperativo consumista que ergue bandeiras e sustenta dores crônicas.Não,a vida me deu gente,pessoas que brilham meus olhos,porque são anjos de luz que me querem bem e que ganham meu amor em palavras e companhia.
Não escolhi uma profissão confortável,escolhi o que está no olho do furacão das mudanças, falo de preposição,prostituição,feminismo, argumentação."Sou professora, todo dia repito essa interrogação "sou professora?"às vezes rindo,outras não. 
Abro livros e traço planos,não sei pensar a longo prazo e se resolvo  estudar é pela possibilidade de descoberta em cada aula, o mundo está para o tumulto, está para um angu de mal entendimento,eu quero mais calma.Quero ir mais vezes aos parques,aos teatros, talvez até o final do ano eu releia Saramago e descubra outro livro de poesia muito bom e ainda desconhecido, preciso comprar cachaça de gengibre e aprender receitas de tortas salgadas.
Eu não estou com pressa para as coisas que chegarão generosamente se tiverem que chegar,meu presente é mágico ,é milagre de corpo em atrito com o mundo, meu corpo com todos os meus sentidos sãos goza meu tempo, minha saliva, meu suor,minha menstruação, minhas unhas e meus dentes estão generosa e abusadamente gozando o meu presente, minhas mãos velhas esperam minhas rugas que já aparecem e minhas pintinhas vermelhas (iguais as da minha mãe) me avisam dos anos.
Envelhecer é muito gostoso. Eu não tenho medo do tempo, eu sou tempo estampado em sentidos e pensamentos.

terça-feira, 29 de julho de 2014

dança.

Por toda fruta madura molhando minha boca no gosto das coisas sãs e vivas.
Porque na agonia de uma semana que anuncia a guerra,eu quero o verbo que diga daquele gosto de cerveja e chuveiro quente, quero no aconchego doce de lençóis desarrumados encontrar um gesto que diga as coisas bonitas sentidas pelo fôlego apressado de quem quer espalhar flores na luz azul das tardes frias desse inverno doce cheirando a amêndoas.
Com uma doçura de teimosia e cisma pegar as malas e partir, espalhar pelas cidades antigas minha mãos velhas dadas as tuas, macias  e pequenas.
Tomar café numa praia distante e beber engolindo novos horizontes , tirar a roupa pelas camas e cantos do mundo,porque meu corpo quer dançar com o teu e o mundo é pra ser dançando.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Fevereiro -por Adilma Secundo Alencar.

Esse verão é dela,unhas,esmaltes,cabelos,silêncio,brincos,é dela esse luar.
Desfila desejo,nua,pisa nos meus lençóis e molha meu riso de suas vontades. Arranca desejo entre uma mordida e outra e fevereiro abre os braços e as pernas para sua explosão. Risca planos para a noite,dorme o esquecimento de uma manhã.
Arrisca um coração de água e escova os dentes com uma beleza que tonteia ciganas e provoca orixás.
Nem búzios, nem novenas,é de tambor e suor, é carne de fevereiro cobrindo um coração escarlate, cru num susto de verão, em cortes vivos de memória.
É desfile,alegoria, fevereiro se abriu em cirandas ,maracatus, bailes,flores e profusão de desejo, a pele é visgo de perfume e gosto.
Misterioso sono, insondáveis  sonhos,enquanto o corpo visga um olhar de leão,rezando mantras de sol pra clarificar seu sorriso com gosto de café e pasta, de sono e zelo.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Ela.

                       Eu fiz festa dentro dos meus olhos quando ela chegou.Estendi as mãos e abri os potes de café e de açúcar como se fosse fazer um rito ancestral, e talvez seja antigo esse querer bem que quer dar de comer,de beber.
                        Algumas estrelas cintilam nos nossos olhos e achamos numa ingenuidade doce que lá estão para ver as estrelas perfumadas que nosso suor emana. Mas estão naturalmente,como está meu tesão pela sua voz em sussurro anunciando o céu em verbos molhados. E nossas palavras são brincos,são saias de viscose e renda enfeitando a frescura azul de nossas vontades.
                        O mundo continua armado de lâmina,de tédio,de roupas sérias, nós seguimos nuas de razão e amantes de beijos,mordidas, carinhos e flores.