segunda-feira, 26 de outubro de 2015

"Mas não subiu às estrelas, se à terra pertencia"
           Quem leu Memorial do Convento certamente reconhece a fundura desse chamamento. Invocando a vontade que sustenta as estrelas, Saramago faz rebuliço no peito de quem se entrega à leitura além do símbolo, quem também  pinga seu sangue fazendo cruz no peito de Sete-Sóis.

          O que se quer tanto com tanto conto? É tanto papel para preencher que há quem estando nu se amedronte diante do silêncio potente que o corpo é. Os olhos dela de manhã são dois infinitos de fruta pequena e doce, o corpo é a força onde suas tempestades todas se assentam, quando meus dedos passaram sobre e entre seus cabelos, agora curtos, eu vi e quis que minha mão,velha,  sinta a mudança de seus cabelos, de corte, de cor, tingidos pelo tempo, pelas longas horas estudando apaixonadamente essas cismas que a faz  precisa ,afiada e dona da linguagem, com batons e lenços e anéis e colares. A cidade fica pequena perto da sede de sereia que faz e fisga canto.
         A cidade toda resplandece nesse outono inconstante, ela ergue, com um sorriso de sono, uma bandeira à dança dos corpos que se dão bom dias fundos, como uma raiz revirada depois da chuva, como o cheiro de mato quando caem árvores na sua rua.
          Celebrada a linguagem, eu invoco silêncios para tecer uma cortina de búzios, conchas, um lençol com a vibração das cores dos corais, uma rede tecida com as histórias de ilhas desconhecidas, eu arrasto uma tarrafa de peixes prateados que são nossos retratos pelas ilhas que desconhecíamos, eu chamo Noel,Cartola e Pixinguinha , eu convoco tambores para chamar os olhos dela para mim.
         Eu fabrico sete-sóis e uma nuvem que faz voar .

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Quando eu era pequena.

Eu queria mesmo era aprender a nadar na barragem onde só os meninos podiam ir no final do dia, as meninas só iam de manhã pra ajudar as mães a lavarem os pratos, mas meu irmão me levou e eu aprendi com ele a nadar, isso depois de tomar muita água e puxar forte meu fôlego, aprendi também a pescar ,mas eu preferia ir à noite , porque me atraia mais a lua do que os peixes,mas meninas no rio à noite pouco se via, mas ele me levou mesmo assim, mesmo ficando com um bico enorme quando seus amigos davam em cima de mim.
Quando eu era criança eu queria matar passarinho que nem ele, mas errava as bala de badogue e ele ria.
Fui então pegando gosto por fabricar balas de barro do tangue de pai, e das balas fiz fazendas e das panelas de mãe fiz uma bateira pra tocar com uma banda imaginária que nunca tive, fiz das tampas da panela pregadas nas estacas de segurar o varal um volante de um carro, e um dia com Diguinho pendurado em minhas costas quebrei o muro feito mais de terra do que de cimento ,assim com muitos feijões hoje tem mais caldo do que grão, o tijolo quebrou e caiu na cabeça dele. 
Vivemos assim a infância descobrindo o amor nas tensões de pregos enfiados nos peitos do pé e no silêncio da lua, Arlindo me ensinou muito de adulto sendo criança,quando hoje eu sei nadar por essas alegorias, descansando numa pedra submersa no rio eu vi o céu de um jeito que quem num sabe ir até num vê. 
Hoje ele tem filho que diz meu nome e minha infância revive nessas arapucas que ele ensinou o menino a fazer nas últimas férias.
Quando eu era pequena eu via pouco tv, porque eu queria mesmo era poder brincar embaixo da carroça de pai, eu queria aprender a andar de bicicleta naquela monark vermelha que quase me aleija os dedos.
Eu era do mato.


domingo, 16 de agosto de 2015

"Abraçar e agradecer"

             Agosto todo amarelo, nome assonante como minhas palavras preferidas. Flores amarelas com gotinhas vermelhas vieram alegres das mãos dela , foi presente. A imensidão do mês de agosto, que tanto irrita paulistanos apressados, não se precipita na contagem dos dias,mas alonga as coisas bonitas dentro do peito. Sábado à tarde, deitada naquela colcha de retalho, no silêncio daquela grama do parque, ela achou um cabelo branco na minha cabeça, bem na frente, eu sorri sem pressa, porque eu estou contemplativa, eu estou. Vi notícias tristes na televisão e fiquei com o peito apertado, tomei vinho bordô barato e comi torrada com doce de leite, conversamos e no meio das palavras e dos rostos, senti a harmonia que o tempo engrossa nos afetos, aquele homem barbudo e menino veio para nos ver e falar e ouvir, a cidade de São Paulo assiste aos vincos no meu rosto e aos meus olhos amolecidos das coisas bonitas que a vida dá.               
                   Esse ano tenho aprendido muito de mim mesma, do meu apego ao meu corpo, onde sou,de onde  falo, mas na calmaria que não veio sem dor, vejo milagrar orvalhos de mulher. Vi um homem bruto chorar soluços desmantelados que chamaram meus ouvidos atônitos para a confusão do mundo.  Senti a calmaria em minha unidade, e senti a modéstia e a generosidade de não querer parir, é egoísmo ser mãe. Eu comeria minha cria com os olhos, esses mesmos que veem o mundo sem cercas e arames, essa coisa bruta de parir é um magnanimidade que foi apodrecida pelos estatutos ,pelo sangue nos olhos que todos nós carregamos, deve ser ,também, dessa truculência que Clarice fala.           
               Eu quero mesmo uma simplicidade vagabunda que não sabe o nome das coisas e por isso,inventa-as mais bonitas, mais coloridas. Eu divido meu silêncio e minha confusão com ela, ela é uma mulher que invoca um mar no meu peito, água querendo fluir , fruir os mistérios dos seus olhinhos miúdos que brilham e gargalham risadas de dendê e pimenta. Seu corpo : visgo, carne, relâmpago e desejo, fúria e febre de mulher, de vestido , de rendeiras costurando contos do mar, seu corpo é. Dividir as minhas frases que ficam querendo fim, umas nem tem, ela sabe, conversas bonitas que se fazem às vezes com a respiração e os olhos rentes: pupilas acesas em encontro, tudo isso é uma coisa que é linda. A comida, o sal, o café, o alho, a escolha da rota do acarajé ou das férias, o livro enfeitado com as letras que me escrevem cartas.      
                 É dela meus olhos, meu desejo , minhas cartas ridículas com palavras e desenhos esdrúxulos. É para ela que eu conto o medo da loucura legitimada pelos imóveis, pelos móveis. A vida simples nas cidades calmas e quentes, os becos, as vielas, os P.Fs dos bares de tantas periferias, os sambas de roda do centro, o livro novo do autor desconhecido, a palavra bruta dos homens de deus, a cerveja, o pesar das notícias de violência, a compaixão sentida pelos alunos, o medo das sementes do mal, a alegria da comida gostosa, do encontro amigo, a secura da academia, com ela divido o mundo visto, o espaço do guarda roupa, as dúvidas, o medo, a mansidão, a preguiça, o gozo.     
          Meu intento de palavra e corpo é dela.Flor, obrigada por pela estar, tua presença é presente todo dia.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Bora ser feliz?!


          Dias rasgados de sol, mesmo quando esfriou e no jornal deu que era a tarde mais fria do ano. De mãos agarradas no teu seio e na tua mão, adormeci sonhando desejo de amêndoas com avelã, respirando esse cheiro de coisa de comer que seu corpo emana. Um mar nordestino nos espera, as mesas e cadeiras e comidas esperam nossos sorrisos bobos, nosso silêncio diante do pôr do sol, diante das águas ineditamente vistas aos nossos olhos. Na gaveta , protetor solar, creme de pentear, sabonete líquido, cartão de memória, vestidos , calcinhas novas, sorrisos esperando a cidade nova, o itinerário do transporte público que desconhecemos, as ruas anunciadas pelo google mapas, a paz de teu sorriso Iemanjá dissolvendo qualquer coisa feia. Já antevejo teu corpo naquele vestido branco que tu deslumbrou num dia de samba, branco contrastando com tua pele queimada de sal e sol, minha boca já é alegria de te pensar dona dos meus olhos , perdidos no encanto de tua doçura bruta,eles brincam às vezes apartados do que te sai da boca, escravos da harmonia que teu corpo é,veem tontos de fruição e mistério tua dança no mundo.
             Viver atenta aos teus passos no mundo, teus passos de quem carrega uma lua vermelha , assistir à sua luz dentro do corpo que faz ser quem é, escolher as cores e os panos que te cobrem as curvas, que escondem o que meus olhos gozam sob a luz do sol de manhã, entrando pela janela. Entrando pela janela ,descaradamente, o sol imperava afazeres domésticos, compras em açougues lotados ,em pontos de ônibus, em pontos de trabalho, enquanto dissolvidas no cansaço dos nossos cheiros nossos corpos preguiçosos: pernas enlaçadas, lençóis no chão, enquanto nosso tento tendia pela celebração das bocas, ungidas de sim, dizendo primaveras lilases nos ouvidos do mundo.
              Minha Preta, na linguagem num cabe o pedaço de mundo bonito que nossos olhos mergulham, signos ordenados assim, entre vírgulas e pontos não dizem do dengo de manhã, da manha nossa de cada dia, nem do nosso encontro.
             Nem Barthes nem Lacan, Manoel de Barros falaria melhor de nós, fosse preciso açucenaríamos um paralelepípedo, mas faremos mais, colocaremos uma rede verde para nossa varanda balançar nossa preguiça domingueira, nosso café preto de tarde, nosso encontro.
            Um dia na nossa pousada no cu do mundo, deixaremos uma parede para o Manoel de Barros encantar outros casais, nela ficará assim  "Esqueçam o que Lacan disse, Açucenem-se"


quinta-feira, 25 de junho de 2015

infinitivo.

Sentir com a língua seu pé bem feito e macio, contornar com a boca as curvas macias da tua perna, deslizar meus desejos nos teus seios duros e volumosos, nos teus mamilos esfregar minha língua, febre e gozo anunciado de teu sexo, tirar sua meia sete oitavos com a surpresa de um viajante que encontra uma ilha perdida e sente a vaidade dos olhos nus numa  paisagem inédita que a retina não esquece, desenhar com meus cílios dançando sobre suas costas as intenções de quem, nua ,ver um mar e tem nos braços imperativos de nadar, nadar até a água acalmar os músculos.Entrelaçar meus olhos e meus dedos nas nuances ardentes de teu corpo todo e fazer do meu corpo encontro, na força acolchoada das nossas pernas unindo (nuas) a urgência que suas unhas cravadas nas minhas costas e e meus dedos enredados em seus cabelos exigem. Descansar minha cabeça na sua coxa e recuperar o fôlego sentindo o cheiro morno do teu suor na cadência abrasiva de teu corpo depois do gozo, sorrir mole lânguida e sentir o sal do meu próprio suor me saudar a língua que encontrou uma mar dentro de teu mundo-mulher que encontrou  força e verso que nunca serão ditos porque é língua de sangue e nervo, é língua que virtualidade nenhuma alcançará.Procurar ,percorrendo sua pele , seu abraço e descansar nos seus seios mornos.
Dormir com o gosto do teu sexo na língua, com o perfume quente dos teus cabelos filtrando rosas para o meu sono, abraçar teu corpo sonolento do cansaço da dança que o corpo fez.
Dormir e acordar tua.

domingo, 31 de maio de 2015

frigideira azul.

                       
             Nunca use coisa para começar um texto, é o que eu sempre digo para as turmas de ensino médio, é importante precisar o que se quer dizer, insisto. Pois bem, é sobre as  coisas bonitas que ela me faz que eu queria dizer, e nunca será preciso (adjetivo e verbo) porque tem jogadas inacreditáveis dos meus sentidos, que fugindo à regra do óbvio ,veem na frigideira não a utilidade prática de fritar alimentos, mas um azul que se destaca lindo e envolvente com a pele morena dela, uma pele morena que inspira todos os dengos do mundo. Há detalhes de alegria no jeito que ela sorri de achar uma poesia que se chama "glutamato monossódico" , há detalhes de alegria quando ela toma minha palavra antes que essa vire som e manda a perversidade de um homem "se fuder", do jeito bruto e revoltado que só a doçura dela sabe responder, porque não é uma doçura plácida de adultos resignados é a doçura de uma criança que quer o primeiro pedaço do bolo de chocolate com recheio de cereja, e tem toda fome que só quem deseja ardentemente sabe da urgência. 
         O sono dela me prende os braços e eu insisto num sono que eu não tenho, porque eu durmo pouco, e vê-la dormir é menos vê-la que sabê-la, eu fico no silêncio do quarto ,escutando o barulho de mar que seu dorso moreno invoca, um dorso que impera nos meus sentidos, por onde eu passeio poros e dentes. Os ombros macios que são equilíbrio de minhas mãos tontas do gozo que o corpo quis e teve.
          Fora do quarto, um turbilhão de afazeres, descartáveis e necessários, nos esperam : o preço pelo teto, pela luz, pelo transporte, a logística, a moradia , a casa grande que num é minha. Nessas horas em que o plano de cigana me salta aos olhos, nessas horas, ela entende meu silêncio, eu sei que ela sabe que eu queria prolongar a noite à luz do dia.
           Ter um mar numa manhã de frio parece mentira. Ir na contramão do óbvio é coisa que acarinhada pelos olhos dela vira dança. Porque eu quero descansar da festa do seu corpo achando esses detalhes que sua presença traz, suas pernas nuas me contam de cheiros de pimenta e flor,de força e sal. Mais nu que meu corpo são meus olhos quando coberta de luz ela diz sim com a língua e com o olhar.
          Meus sentidos vivem, vivem,vivem alegrias ora silenciosas , ora escandalosas que meu corpo ganha, às vezes dormindo, às vezes túmido de sim explodindo água.


            Tua,Flor
        
         

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Porque.

              É porque com uns dias a mais eu vou ter tempo de comprar umas meias novas para vestir embaixo de meus vestidos coloridos, vou também finalmente achar aquele trecho de Memorial do Convento pra ler para você, vou procurar os cartões de memória de minha câmera e fotografar você vestida como uma personagem do Tarantino, do Almódovar, vou ficar atoamente perdida nessas suas sardas engraçadas, tenho uns silêncios longos carecendo desse seu jeito de abraçar que parece me apartar das coisas ruins.
             Eu prefiro silêncio à repetição dos números para comer, para vestir, para morar, para medir o sangue, a água. A agulha sempre pronta a apontar erro na contagem da dor.
              É porque com uns dias de folga , podemos ir àqueles sebos da praça João Mendes e encontrar gramáticas da década de 20, prefácios com dedicatórias usando mesóclises , e até marcadores de textos antigos contando histórias de casais apaixonados jurando amor e melindres dentro dos livros agora amarelos de tanto tempo passando do lado de fora da rua.
                É porque com mais tempo livre para estarmos de olhos irrigados da doçura que esses encontros dão, talvez dê tempo de finalmente assistirmos ao filme de Fellini,
              Na hipérbole das cores translúcidas das borboletas pouco vistas, no copo de vidro transparente e vagabundo com o gole de café preto que eu te levo de manhã para te acordar com minhas línguas e meus olhos tomados pelos seus olhos miúdos ainda sonolentos, na intenção dos gestos querendo encontro, na dilatação macia de teus músculos dizendo sim, na doçura das tuas mãos me invadindo a nuca, esses encontros  sou eu dada à teu desejo intenso e contínuo.
           Se eu pudesse fundava um feriado hoje ainda para fazer o sol nascer a noite toda, pudesse, rasgava o livro de ponto, jogava fora  os boletos, os números, cessaria a  sintaxe frágil dos diálogos mal ditos e falava das paixões que alimentam as revoluções, pudesse, eu faria tudo para roubar você pra mim.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

De Cristo.

               Eu não sei como é ter um filho, eu sei que dói ver homens vestidos de preto matando meninos "pretos de tão pobres".  Eu sei que nas conversas nesse dia de sexta que feriadaram um assassinato e comungam a esperança na ressurreição , eu sei que ouvi de gente que tem dinheiro,tem o de comer e o onde morar ouvi planos para investir e fazer mais dinheiro e lamentaram a morte do filho do governador. De sangue ninguém falou, um menino morreu no Rio, um menino sempre morre na periferia, onde a polícia tão aclamada pelo povo quer número de presos de mortos e de homens pretos na estatística para fazer a segurança dos brancos que querem ganhar dinheiro.
          Como foi que essa mãe aleijada por balas do estado comeu comida nessa sexta feira santa? Um menino morto desse jeito cruel e perverso trouxe pesar nesse dia em que a morte faz feriado.
       Homens brancos e  de oratória bíblica estão querendo mais números e matarão antes do corpo as almas dos meninos aprisionados aos dezesseis.
      A limpeza nas mãos do que fazem as escolhas não escondeu de Blimunda  _ olhos saramaguianos de ver_ os vermes estourando em pus dentro de tantos homens.
      Como você que não sente mais pesar chegou a esse lugar de anestesia?Não te dói que um menino morra e que você pague a essa polícia para aleijar uma família? Por que teu nariz só sente cheiro de dinheiro?Você não vê o pus nos homens, o sangue de tantos meninos? 
          Hoje há pesar e dor pela morte de meninos e pela falta de almas sensíveis, há pesar pelos que encheram o bucho de comida, os sentidos de vinho e ordenaram que mais gente morra.

domingo, 22 de março de 2015

Estação.


           Os livros de literatura abandonados pela minha cama sofrem o desdém do meu humor avesso às leituras programadas e precisas, porque hoje eu quero os cabelos dela entre meus dedos, quero mais do que sua saia com cheiro de frutas doces, mais que suas presilhas abandonadas no lençol. Essa ausência que tomou o quarto todo sem espaço pra eu deitar,comer dormir faz de meus beijos pedidos exagerados de quem não quer findar o domingo sem festa.
          O corpo dela é onde eu quero morar, meu silêncio desesperado não que senão linguagem no calor da sua nuca, na quentura perfumada que as  coxas dela têm, é mais que dança quando juntas no movimento  de sins , na cadência das curvas, no deslizar da minha boca pelos seus braços pernas, é dança quando sua calcinha soando nota de sol maior encontra a pressa das minhas mãos desejosas de sua nudez, suas cores estampadas em pele e traço fazem do olhar um gozo precursor da festa que todo pedaço de pele seu encerra.
          As coisas mais bonitas que eu sei eu quero do melhor jeito que sejam também dela. Aprender o corpo dela é presente, é festa. Nos dias de calor, nos dias de frio ,nos dias de prova, nos dias de ir ao banco, nos dias de ir ao mercado, nos dias em que ela está aparece até arco-íris, mesmo que ninguém veja e pareça improvável ter cor em dia cinza, mesmo que o mundo nos roube tempo, quando ela vem o meu mundo fica todo florido.
         O tempo é uma Estação-Flor.
     

   

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Feliz todo dia.

                      Feliz Flor.
Moça pisciana bonita, feliz ano novo, feliz todo dia, feliz sapatos novos e vermelhos em liquidação,lançamentos do Von Trier, edições novas de coisas da Clarice, Feliz feriados em praias , pousadas, praças e bares pelo mundo,pela cidade,feliz artigo pronto, aulas lindas,livros do Foucault, Barthes , do Derrida ( um dia a gente vai entender o que esse cara disse rs, fé). Feliz noites e noites de ousadias porque sua carne é de carnaval, feliz vontades, feliz amor, feliz paixão, feliz vida na intensidade dos olhos, feliz feiras livres , feiras hippies, feliz cafés e capuccinos e bolos de limão. Feliz novos escritos sobre as mulheres, feliz pesquisa tão linda e pertinente que tu inicia, feliz teu corpo tão encontrado na alegria.
Feliz dias ensolarados e da sua cor preferida: azul. Feliz aniversário.
Com carinho e tesão dessa tua moça de leão .
Eu tudo você.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

tudo é.

            Eu te tudo é substantivo e verbo que não cabe na sintaxe ordinária, não é o tudo ou nada absolutista e cartesiano das ciências e das religiões. É antes, é parte privada da nossa fala, tem a textura da nossa pele junta, tem a combustão dos nossos perfumes, tudo é nosso encontro,é meu quarto com sua presença do travesseiro à esteira, tudo é seus colares fazendo companhia aos meus brincos.Tudo são meus olhos inundados de seu rosto, transbordando tua cara nas minhas pupilas aumentadas para caber teus olhos miúdos e indecifráveis. Meu tudo é derramado em você em suor, saliva, gozo,comida, tudo é a espera da minha cintura pelos teus abraços fortes, é a escolha do esmalte, da calcinha, da salada, do bolo, da bebida, tudo é o sim do verbo.
           Não sei dos verbos nem dos pronomes conjugais, comungais nem se é de substância ou de verbo que o sangue vira filho.
          Do tudo dito tantas vezes com olhos repousados no seu corpo antes de seus olhos se abrirem dengosos e famintos, eu sei. Do tudo dito quebrando o silêncio de quando você chora,eu sei. Do tudo dito quando você é só luz, luz,luz e parece flutuar, eu sei.
         Do tudo cheio de urgência de quando você não está, desse eu sei mais ainda. Quando você não está tudo significa gritante aos meus ouvidos e vermelho aos meus olhos. Um silêncio de saudade toma minha boca e eu te tudo em cartas, mensagens,espera. Ajeito seus colares, descubro um casaco seu no meu cabide, leio guardanapo poetizada daquele dia de jazz na República, aprendo novas receitas, compro saias pensando nas suas mãos,leio poemas e você aparece dentro deles, faço café, gelatina, panquecas, procuro passagens, roteiros, procuro tuas mãos, procuro em todos os roteiros os teus sins. Eu procuro tua força estampada à agulha e tinta, e encontro, encontro quando você deixa, amolecida, meu silêncio tomar seu corpo em um abraço que quer a  comunhão dos olhos que juntos constroem um mundo. Um mundo de transbordamento onde, abandonada a semântica ordinária que a vaidade alimenta, os corpos querem um incêndio sem ruínas nem feridos.
        Eu te tudo é a parte mais bonita, mais dada, mais generosa, mais larga mais fica comigo,mais você vem hoje? Mais você gostou desse esmalte,mais quando você está eu fico tonta de tanto te querer, mais você fica linda gozando, mais viaja comigo pra Paranapiacaba?Mais viaja comigo para Paraty? Mais você vai comigo? Eu tô com medo, Mais eu quero namorar você.
       Eu te tudo é minha mão procurando a sua mesmo com medo da homofobia das cidades distantes, eu te tudo é a vontade de te ver realizando sonhos, é o desejo de voltar para o Hotel depois daquele sol nos abençoando em Itapuã, Eu te tudo também tem medo de você partir.
         Eu te tudo,Flor.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

viver.

             Não foi o câncer, nem a soma de tantos anos juntas, nem os holofotes sobre aquele enlace, foi a declaração de quem ficou, triste e sentenciosa: "foi-se o amor da minha vida".
             Os sentidos viram cilada quando um amor se ausenta pela eternidade, as roupas no guarda-roupa são a realidade palpável de que aquele amor existiu, andou e escolheu sapatos de cores sóbrias, não há produto de limpeza que dê conta do cheiro nos travesseiros e as músicas cessam, cessam. Um soluço será ouvido de madrugada e também às dez da manhã e o corpo cumprirá o ofício de lembrar o sexo, agora, tão carente quanto um homem em terra estrangeira pela primeira vez.
        Apenas um prato sobre a mesa, um ingresso, reserva para uma,passagem para uma, todos os guias abertos no computador são de  buscas pares, será necessário apagar o histórico e não comprar mais flores.Será preciso também evitar o tumulto alegre dos lugares cheios, será necessário não se matar.
        Mas tudo é das dores imaginadas, no fundo, deve ser bem pior.
É preciso viver,viajar e transbordar amor.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Janeiro.

Calor e chuva saudaram o dia primeiro, e de tanta fé coletiva virou rito de passagem, e importa para os olhos voltarem-se para o que foram aqueles dias todos ditos ,agora, do ano passado.
 Cores brancas e desejos escritos em camisetas, no céu, nos olhos,nos beijos,acreditar é a ordem.
Eu desejo, mesmo,mais simplicidade para viver no mundo,porque não é simples não. Não ter ódio é um esforço de quem tem amor, porque quem tem amor é o tempo todo violentado pela ordem do mundo que é de guerra e morte, quem tem amor fica atônito, fica zonzo de como as coisas básicas da vida como comer , gozar,dormir, são tomadas à força por uma crença caduca que molda e amputa os direitos de quem, tomado o discurso, foi excluído de gozar seu próprio corpo, quem não come, quem tá na rua, quem tá preso por tijolo e cimento e vive o auge dos nervos encarcerado.
Há tanto sangue e lágrima na parte mais pobre da cidade, as lágrimas das mulheres que dormirão todos esses dias de ano novo no sereno,dos homens descalços.
Mas a simplicidade também é difícil quando há o desenredo do peito:as tensões familiares todas agudas como cólicas renais,há luto ,há silêncio, há promessa.
Que haja saúde no corpo e na linguagem,porque eu quero as coisas boas do corpo e da palavra.
Quero, de mãos dadas, de Flor, transbordar as coisas simples,  comer, cheirar flor, cozinhar comida, pisar pedaços novos do mundo e estar, gozar o corpo no outro corpo, e nos silêncios que valem mil poesias dizer em abraço o que as palavras, cheia de conjunções,de predicações, mentem porque não alcançam, as palavras não sabem como  meu corpo depois de tanto gozo quer dizer,nem como eu me sinto quando num instante curto, que minha memória fotografa, eu vejo uma mulher iluminada de gozo com o mar aos seus pés, com o mar entre as pernas. 
Entender as espontaneidades das coisas que simplesmente são não é difícil, não há nada para entender é olhar é olhar e agradecer.
Há muita poesia no mundo, despir o olhar e gozar o mundo.
Insistir em ser,mesmo nesse mundo tão tumultuado e repleto de soldados do mal.
Não vou à guerra.
Apesar dos convites multiplicados, não vou à guerra.Não ir à guerra é tanto uma covardia como uma provocação,porque o sangue virulento dos que imprimem ódio quer comunhão, quer ver a calma com um facão cego na mão. Quem já não tem tento para se encontrar  não quer senão confronto, conflito.
É uma provocação insistir na crença das coisas frágeis,como a rosa amarela morrendo na terra molhada, ou como uma rosa desabrochando alaranjada no meu quarto, é mais fácil apostar na guerra, o ódio foi racionalizado e legitimado como única possibilidade de acerto, são os que proferem "foi sempre assim". 
Que seja um ano de saúde do corpo e da palavra.