Um corpo, um útero não precisa carregar um filho. Um útero e uma mulher em punhos. Acordada às 6:00 da manhã, corpo já vestido com a roupa de trabalhar, o corpo caminha lúcido para a lida da vida reta, atravessa uma porta,dois portões, duas catracas, de novo dois portões e uma porta, assina o ponto, a caneta bic azul soma mais um dia num papel sujo que não diz da dona do corpo. O corpo que caminha lúcido quer antes a dança que o passo adestrado, o corpo molhado entre as pernas espera a chegada da praia, chegado ao mar, o corpo é só radiância. Aos encontros das conversas das mulheres que fiam cabelos de filhas e rezam a ladainha dos maridos, esse corpo silencia e respeita, respeita com o silêncio e a solidariedade de quem também é corpo. A dança de cada corpo quando harmônica com cada grito sabe da diferença de quem habita cada espaço de carne. Os punhos de uma mulher não estão no útero, estão no fiar intenso de suas próprias histórias, no sangue de tanta gente que morreu pra dizer que a mulher pode, a mulher pode, a mulher fode, a mulher quer foder. O corpo da mulher não é um metafísica pagã criada por uma palavra masculina, nosso sangue escorre, como nosso gozo escorre, uma mulher tem tesão , uma mulher tem desejo, uma mulher pode tudo,um mulher pode querer ser toda,todinha de outra mulher.
terça-feira, 15 de novembro de 2016
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
À mãe sem mãe
Ela me devora qualquer esperança de entendimento, porque comigo ela se mostra de verdade, e às vezes eu vejo um açude de rancor, muita ingratidão represada, mas quando sua ira arrebenta nunca estoura a barragem que a prende, não, isso não, ela leva umas cercas vivas onde eu criava minhas mudas verdes de alguma esperança diária. Ela vai adoecendo de tristeza, enquanto chacoalha torrentes para arrastar minhas cercas, ainda que verdes são tão frágeis, tão cansadas desses arames que a represa dela me empurra, tem dia que desce rio abaixo uma bola de arame e as flores, que eu cuido tão diariamente e com tanto zelo,embotam, amassam o visgo e perde pétala. Ela ouve de todos as piores coisas, a falta de ética, a mentira, mesquinhez mais atroz, mas de mim, nada pode ser dito que não seja amém.
E assim vai se perdendo de novo o que foi para sempre pisado, as grandes dentadas que ela apertou na minha alma chega inflamam quando a represa anche. Essa semana mesmo minha carne tem mais dores que vida de tanto que ela fere, porque eu ainda acreditava no amor, mesmo quando ela desfez, ela cria umas correntes nos meus tornozelos, mas eu sei como quebra, é que a cada separação eu fico sem um pé, mas os tornozelos estão inchados de novo, eu tenho medo de salvar um e perder meu corpo que levei mais de duas décadas para torná-lo unidade fora das correntes.
Para mim, que sou irresponsavelmente de amor, é mundo doído quando a linguagem falha, quando a mesquinhez se infiltra e cresce uma nódoa podre nos panos que estavam quarando tão bem, nosso laço tava quarando, mas nesse sol de São Paulo é difícil de limpar, ela é triste por mim, eu sinto a espera de mais de metade de um século nas suas mãos, eu não quero magoá-la como todos os outros, sempre sofri calada desde a perda do meu pé, depois que arranquei a primeira corrente. Mas fui chorar num outro endereço.
De novo, a mesma ameça da ausência, como se capitaliza fácil as relações de amor,meu deus. De quantas mágoas se faz uma filha? É feio como a tentativa de ser minimamente ética pode derrubar uma casa, desmascarar uma família inteira.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
céu
Esse semestre foi atarefado, tarefa era nome que me lembrava terra, pai sempre falava em tarefa de terra, nunca soube direito a extensão disso,mas sei que envolvia valores, o semestre atarefado também envolve, ter a barriga cheia pra poder sonhar é importante. Mas mais, eu não quero ser a velhinha do filme que teve seu teto roubado. No último ano a responsabilidade do teto todo meu caiu nos meus ombros como uma bigorna cai na cabeça dos personagens de desenho animado. Quando eu assisti Amor pela primeira vez eu chorei, porque refleti sobre o que eu já sabia, das limitações do corpo, o desespero do amor que tem sua casa/corpo ruindo. Filme duro, filme de amor também, não desse ocidental e reproduzido, mas de outro, molecular, orgânico, que tem corpo, que cai , que tem rugas lindas e álbum de fotografia.
A velhice pode ser linda,a velhice é agora. Só existe o tempo da língua sentindo o cuspe, a fruta, a água, só existe o cheiro de sabão em pó na coberta recém lavada, de carambola madura nas bacias que vendem na feira, só existe o tom indefinível do laranja do céu de hoje, só existe o barulho que escutamos boiando no mar,só existe a pele macia e quente de dentro das coxas de quem se deseja. Essa velhice é a velhice que eu quero, o caminho é todo dia, é todo gesto, é a tentativa de beber mais água de coco, de colocar gengibre na nossa comida, de ter mais sabedoria que letramento.
Essa alegria que vem atoa e nos cobre com laranja, com vermelho pôr do sol, de azul tinindo o céu, de neblina, chuva torrencial e sol no mesmo dia.
O teto virá sem que sejamos corrompidas por esse tempo mesquinho que nos cerca, virá com as flores que nos aparecem quando começamos a reparar nelas, como as comidinhas que gostamos, e que agora multiplicam-se os pontos que as ofertam pela cidade. Virá sem que abandonemos amigos, sem que esqueçamos que mais vale ter olhos ternos e doces, porque é preciso tempo para que sejamos mais gente que valor/lucro/produção, que às vezes , aquele chiclete que demos ao menino que queria vender coisas no farol é muito mais importante do que uma aula que preparamos sobre sintaxe,Saramago ou Clarice. As coisas boas já são, são os desejos de nossas mãos dadas abrindo meses,anos, abrindo envelopes colados com tenaz e escritos com caneta vermelha e sobrenome nosso.
Flor, eu vi o céu,viver é bonito , te ouvir me dá tesão .
Observação:mesmo que você cante aquela música detestável do Raimundos.
quinta-feira, 9 de junho de 2016
Calor.
9 º C em São Paulo e as flores roxas sorriem rijas como meus mamilos quando encontram sua língua. O frio que congela minhas mãos e pés traz uma luz mais funda e dura no cimento de velhas calçadas da cidade, calçadas verdes de musgo e duras de lembranças esquecidas, quantos amores começados em beijos gelados de chope nas calçados e bares dos bairros boêmios. Esse frio me convida para dentro da sua saia, a meia calça preta escondendo suas coxas roliças acendem desejos e atiça a urgência das minhas mãos, a cidade hoje ficou coberta de homens e mulheres de tons graves, eu pensei no casaco que você possivelmente usou hoje, tentei adivinhar a cor, a textura e seu cheiro doce encontrando a gola do casaco onde seus cachos recém cortados exibem um brilho que dança junto com seus dentes. A cidade tomou um banho de luz fria hoje e eu tenho 90 redações para corrigir, mais de 4 números para ligar e uma bibliografia pra ler, mas nada disso é tão pleno, largo e fundo quanto esse tesão aceso ao mais simples vento que roça meu pescoço trazendo lembrança de teu hálito.
segunda-feira, 11 de abril de 2016
A doçura de ver os dias
Sei que não estamos em tempo de flores e não desvio os olhos da barbárie dos jornais, das falas ainda verdes de tantos meninos e meninas que arrotam a loucura azeda dos discursos de ódio, eu ouço, eu vejo e no mais, não sei ainda se bem ou mal, silencio.
Apesar dessa dança vertiginosa do mundo, desse esperar de explosões, eu vejo a iluminação das coisas que são imensamente importantes. É imensamente importante sentir o frescor do dia quando se acorda cedo. Acordar e fazer comida e comer sentindo em cada poro sabor e cheiro, o azeite soando na panela quente, o pão torrando , o cheiro do café inundando toda a cozinha, estar nua e andar pela cozinha, partir laranjas, abrir janelas, abrir potes de açúcar, abrir gavetas de calcinha, abraçar o corpo que se quer e sentir o abraço e desejar estar onde se está, perceber o teto seu , o corpo respondendo a cada insinuação dos gestos, sentir a tenacidade da carne, a fome do corpo exausto de dançar, ouvir o batuque do samba numa praça centenária, sentir o cheiro de quem acabou de nascer e já tem palavra e sentido, já tem fome, já toma conta de outras vidas.
Assistir aos amigos e ser amiga , fortificar os laços nesse mundo bruto, nesse mundo magnífico que é nascimento todo dia. É graça o corpo, é milagre tanta precisão, é mágico aprender. Como eu apalpo essas manhãs tão azuis? É imensamente importante sentir a água do chuveiro sobre os cabelos e perfumar-se do perfume que se quer, dormir e acordar e amanhã ter vontade de ir à Colômbia ou fazer um curso de cinema inútil, ler literatura e ficar obcecada por aquelas 4 páginas que faltam para terminar, estudar a década de sessenta e os movimentos feministas e dormir às duas horas de um domingo escandalosamente anil , dormir porque um sol acabou de nascer entre suas pernas, dormir porque não é sono , é nuvem...É também imensamente importante ir à feira e comprar frutas e coentro, coentro é imensamente importante, mesmo quando nos encantamos com melões, nunca olhados antes, e o esqueçamos, coentro é importante. Também não poderia deixar de ser citado o jeito de dormir, jeito de dormir é imensamente importante, assim como matar muriçocas , sobretudo a muriçoca que lhe perturbou. É imensamente importante as pequenas grandes coisas, como : comprar gelatinas que sua namorada adora, imensamente importante cuidar para que a vaidade não deixe que essas coisas percam seu lugar de imensamente importantes, poderia também dizer da importância das letras, sobretudo as que falam dos desejos,
As letras impressas nas passagens só não são mais importantes do que as passagens, são também da maior importância reservas de pousadas, a compra no supermercado de uma cidade nunca vista antes são da maior importância, é preferível que você não leve a chave do guarda-volume embora,como também é importante a comida numa mesa nova é a vontade de aprender uma nova receita como joelho de porco por exemplo ,mesmo que suas panelas não sejam de uma cozinha industrial, como é da maior importância perceber o laranja do céu antes da sete da manhã.
É da maior importância que voltemos para aquela parte da entrevista que o que a Simone B. falou era essencial para o que viria depois, mas cochilamos, é da maior importância que tenhamos sempre milho de pipoca e milho verde em conserva.
Viver é da maior importância.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
De aniversário.
Flor, é seu aniversário e eu fiquei toda querendo escrever umas coisas bonitas para dizer o quanto estou feliz por estar pertinho, juntinho de você. Preta, você me emociona o tempo todo , você vem e meus sentidos todos seguem seus movimentos, estou até querendo fazer fotografia só pra um dia eu fazer uma máquina alcançar o que minhas retinas transbordam , mas numa fotografia não cabe todas as suas cores,não cabe os ângulos generosos que seus movimentos me dão.
Esse ano será um ano importante, seu desejo vai criar corpus, forma e na forma da academia será feita a tua vontade. Preta, essa força toda é tão bonita, gosto de te ver assim, que nem ontem, você chegou fascinada por aquele livro , lendo as páginas , dividindo suas descobertas, suas inquietações, esse tesão intelectual tem uma força de cio ,Flor, e de mais um modo você me excita, aguardar a água ferver para fazer nosso café já me deixa sentindo seu cheiro, já respiro mais cadentemente na sua espera. Hoje fiquei vendo nossas fotos e vi o quanto mudamos o cabelo, os cenários, é bonito ver o mundo na sua companhia, é sentir o mundo, sentir no sentido mais bruto e doce. Eu tudo você, eu desejo você, eu desejo que esse ano seja lindo, seja doce, seja bonito, que os orixás, a energia das pedras de São Tomé das Letras, as rezas, os cantos, que toda luz , que tudo que for bom esteja com você fazendo teus dias gostosos e brilhantes que nem glitter,
Flor, feliz todo dia, que a vida seja sempre linda como um pôr de sol visto de Itapuã e doce que nem saputi. Eu te tudo.
Sua.
Dilma.
Esse ano será um ano importante, seu desejo vai criar corpus, forma e na forma da academia será feita a tua vontade. Preta, essa força toda é tão bonita, gosto de te ver assim, que nem ontem, você chegou fascinada por aquele livro , lendo as páginas , dividindo suas descobertas, suas inquietações, esse tesão intelectual tem uma força de cio ,Flor, e de mais um modo você me excita, aguardar a água ferver para fazer nosso café já me deixa sentindo seu cheiro, já respiro mais cadentemente na sua espera. Hoje fiquei vendo nossas fotos e vi o quanto mudamos o cabelo, os cenários, é bonito ver o mundo na sua companhia, é sentir o mundo, sentir no sentido mais bruto e doce. Eu tudo você, eu desejo você, eu desejo que esse ano seja lindo, seja doce, seja bonito, que os orixás, a energia das pedras de São Tomé das Letras, as rezas, os cantos, que toda luz , que tudo que for bom esteja com você fazendo teus dias gostosos e brilhantes que nem glitter,
Flor, feliz todo dia, que a vida seja sempre linda como um pôr de sol visto de Itapuã e doce que nem saputi. Eu te tudo.
Sua.
Dilma.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
A intimidade dos corpos
São Tomé das Letras foi nossa viagem mais dengosa. Flor é uma luz alegre e um incêndio que o corpo quer. Os nossos corpos se entendem, se ajeitam ,se desejam, meu corpo por encanto do dela caiu na sesta, adormeci com a mão morna de seu tato macio, todas as pedras da cidade brilhavam , de certo que era para os olhos de Flor, quem ficaria indiferente àquele brilho em Flor? Pelos bares e lojinhas multiplicavam-se cores e saudações, os pássaros em rebuliço faziam canto pra Flor. Se eu soubesse também cantaria , também desabrochava em cores só para seu bem.
Nossas mãos passearam juntas e não sentiram medo do ódio, tão alheio à nossa essência. Vimos juntas um novo tom de verde, um novo jeito de desaguar. O silêncio das tarde, naquele canto de mundo em cima de um pedra, era cortado pela nossa leitura, eu escrevi de um jeito inédito um texto que Flor me deu, as leituras foram ardentes e dengosas. Seus olhos amoleciam e cresciam como crescem as flores miúdas e cheias de cor. No silêncio da rua nosso silêncio conversava a cumplicidade do querer, prolongava-se pelas tardes molhadas os nossos passos juntos, prolongava-se o nosso espreguiçar, a nossa voz em uníssono de uma paz descansada de deveres. Os doces de São Tomé eram a afetividade dissolvida em leite e açúcar , a cachaça curtida nos sabores de magos e duendes marcavam de noz moscada e cravo a nossa língua.
O Vale das Borboletas esperava em água e céu a chegada de Flor, e até o sol a procurou entre os galhos altos que escondiam as pedras. Flor, dada à natureza, ganhou luz e água das cachoeiras de Minas. O doce de leite , o cheiro de mato, o visgo do verde se jogava aos seus pés, eu me perdia de ver sua presença enchendo o mundo de luz, eu me emocionava com meus olhos cheios de sua imagem, transbordando nas bordas a doçura de água de cachoeira, nosso calor batizado nas águas doces e brutas, na força das pedras, nossa fita do Senhor do Bonfim batizada primeira nas águas do Rio Vermelho agora também da luz das pedras é conhecida.
Sua alegria anuncia o carnaval, inaugura todo dia um prazer que só a intimidade dos corpos sabe desnudar. A intimidade dos corpos é esse amolecimento dos olhos , esse despertar pra um mundo tão íntimo que a palavra é ainda saliva, quando esmorecendo um músculo uma dança se inicia, quando o nosso quando desabrocha junto, rente.
Nossas mãos passearam juntas e não sentiram medo do ódio, tão alheio à nossa essência. Vimos juntas um novo tom de verde, um novo jeito de desaguar. O silêncio das tarde, naquele canto de mundo em cima de um pedra, era cortado pela nossa leitura, eu escrevi de um jeito inédito um texto que Flor me deu, as leituras foram ardentes e dengosas. Seus olhos amoleciam e cresciam como crescem as flores miúdas e cheias de cor. No silêncio da rua nosso silêncio conversava a cumplicidade do querer, prolongava-se pelas tardes molhadas os nossos passos juntos, prolongava-se o nosso espreguiçar, a nossa voz em uníssono de uma paz descansada de deveres. Os doces de São Tomé eram a afetividade dissolvida em leite e açúcar , a cachaça curtida nos sabores de magos e duendes marcavam de noz moscada e cravo a nossa língua.
O Vale das Borboletas esperava em água e céu a chegada de Flor, e até o sol a procurou entre os galhos altos que escondiam as pedras. Flor, dada à natureza, ganhou luz e água das cachoeiras de Minas. O doce de leite , o cheiro de mato, o visgo do verde se jogava aos seus pés, eu me perdia de ver sua presença enchendo o mundo de luz, eu me emocionava com meus olhos cheios de sua imagem, transbordando nas bordas a doçura de água de cachoeira, nosso calor batizado nas águas doces e brutas, na força das pedras, nossa fita do Senhor do Bonfim batizada primeira nas águas do Rio Vermelho agora também da luz das pedras é conhecida.
Sua alegria anuncia o carnaval, inaugura todo dia um prazer que só a intimidade dos corpos sabe desnudar. A intimidade dos corpos é esse amolecimento dos olhos , esse despertar pra um mundo tão íntimo que a palavra é ainda saliva, quando esmorecendo um músculo uma dança se inicia, quando o nosso quando desabrocha junto, rente.
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