Último invento
Inventei uma ilusão para me salvar do duro isolamento que me cerca, todos exaustos pelos estímulos.
A minha ilusão gosta de bossa-nova e também de blues. Quase nunca dialogamos. A conversa nos deixa cansados, durante horas brincamos, inventamos nomes possíveis. No último encontro eu era um espião argentino casado com um árabe terrorista e ela vivia com um banqueiro depressivo e velho.
Adoramos ler poesia juntos.Descobrimos o Bandeira, embaixo de minha cama, nomeamos nossa casa: Parságada. Eu não sei o nome dela, mas se soubesse ainda seria ilusão: Maria Ilusão, Ana Ilusão, Margarete Ilusão, Débora Ilusão.
Os olhos de Ilusão são incríveis quando entram nos meus, eu esqueço das minhas máscaras, acredito só nas dela. Ela tem um colar amarelo, de sementes de açaí e quando chove ela faz brigadeiro e ler contos para nós dois.
Eu fiz um poema para ela que diz: " Não fosse você eu seria fumaça, não fosse você eu seria um estranho, não fosse você eu não seria".Ela me retribuiu com um olhar terno, um abraço eterno e o corpo lânguido.
Palavras são pequenos gracejos, são raras da gente usar. Falamos a linguagem epidérmica, a única possível de acerto, de harmonia.
Enquanto ouço o barulho do chuveiro já adivinho o sabor dos seus poros. Ela é perfeita porque assim a inventei. Quase nenhum pensamento, totalidade sensível, sinestésica . O seu único problema sou eu que vivo recriando-a sem nome, sem identidade e sem consciência de mim.
Eu a amei, a trai, me perdi nos braços alheios, ela nada sabe. É minha criatura, vive só em Parságada, come apenas brigadeiro, bebe apenas poesia e só ama a mim. Assim a criei.
Eu sou egoísta, excêntrico e alheio, por isso criei Ilusão, alguém que me quer bem, o mundo quer gente pronta, sentimento-miojo. Eu estou crú, estou nú e sinto vergonha do meu sexo nesse mundo tão plástico, vestido elegantemente. Sou crú e tenho medo, talvez minha Ilusão me salve ou me mate, certamente seu potencial é ambiguo.