quarta-feira, 12 de abril de 2017

A natureza dos meus olhos


Mais um roteiro começa a ser desenhado pelas nossas vontades, pelas buscas no google maps, pelos e-mails enviados, pelos preços avaliados, a cada busca surgem histórias, alegrias de nossas viagens, lembranças de pôr do sol, de nossas comemorações diárias. Quantas alegrias regadas a acarajé com cerveja na pracinha do bairro, de mãos dadas, de abraço dado, quantas idas à academia, e todo dia é uma novidade para dividir, quanto tempo de silêncio dividido na biblioteca na qual os funcionários já nos conhecem, quantos chocolates ( e até flores) partilhados para que o cansaço nunca ofusque nossa alegria diária, tantas vezes fechamos os olhos depois do cansaço que a leitura ininterrupta comove em nossas vistas, e cada vez mais, enxergamos as cercas. 
O mundo é uma coisa tão maluca, eu não sei dizer,mas há muito força na nossa crença, enxergar nossa própria fragilidade, questionar a dança dos dias, ir à feira, comprar sapatos, separar um tempo para te ler poemas.
Essa nossa força me faz ser gigante.Vivo simples, não aspiro desafios de acumulação como nossos pares, vivo simples, quero tempo, o tempo de te ver, te ver e reparar nos cachos bonitos do seu cabelo, reparar nas suas escolhas lexicais, nas suas sobrancelhas, no calor de sua respiração antes de você dormir, também somos parte de uma teia de afetos, somos filhas, irmãs, somos pessoas que ocupam um lugar,uma função, nem tudo funciona como a função prevê, não sermos máquinas nos rende muitas lágrimas, muitos medos, muita dúvida na lida diária com tanta gente, o poeta disse " a injustiça não se resolve",mas a monja Cohen tem me ajudado a diminuir vaidade que há em mim. 
Temos reservado tempo, são tardes lindas, onde a luz da janela da biblioteca incide em linha diagonal na mesa de madeira silenciosa que mobília a sala limpa. Esse tempo nos aproxima, caminhamos. Pelas sintaxes gordurosas de enfadonhos teóricos ou pela beleza imponente de escritores brilhantes, cada um deles, para o deleite dos nossos olhos ou para desespero de nosso raciocínio, move alguma coisa em nós, destrói alvenarias de sangue, do sangue de que se fez a primeira casa da cidade. 
Eu tenho alegria de saber da nossa vontade junta, eu sei tão pouco, a minha alegria de saber é imensa,não é um castigo estudar, não é feio passar horas tentando encontrar entendimento, no fundo esse foi o luxo que eu sempre quis, O luxo de ter tempo para pensar, quando olho ao redor vejo homens e mulheres que não perguntam, seguem a lida diária, sem o Esteves da padaria, talvez não percebam as teias de concreto que coloca cada um numa jaula, quem sabe sintam o fruto sem lhe nomear o sabor, mas o fruto está cada vez mais desnutrido, a sanha torta do querer  muitas vezes nos põe em aflição, ânsia desordenada de querer um cessar do exército de homens maus , esses que aumentaram a vida do pobre junto ao ponto e fizeram subir 60 centavos o preço do café da padaria.
Mas é na luta linda e boa para barrar minha própria ignorância, para fazer domar essa minha burra vaidade, na luta para fazer caber a vigem dentro do orçamento, é nessa luta limpa, sã e boa que eu percebo os milagres. Milagre vem de Do Latim MIRACULUS, “causa de espanto, admiração”, de MIRARE, “olhar com espanto”, de MIRUS, “maravilhoso”. O aconchego da tua voz, na aula sobre estilística descobri que persona,vem de per son, pelo som, é que é marca de intimidade reconhecer o que entre todos nós nos diferencia, a voz, marca de pessoalidade. A sua voz é uma casa que eu quero morar,Flor. Pequenos e escandalosos encantamentos me tomam os olhos e os braços, quero na intimidade nossa dizer com todo o meu corpo, som e força do milagre que é existir na tua presença.
A tua presença,morena. A tua presença morena a embalar os meus verbos de força e profunda doçura bruta, como beijos de desjejum. Nosso Tudo é força,Flor.