Mais um roteiro começa a ser desenhado pelas nossas vontades, pelas buscas no google maps, pelos e-mails enviados, pelos preços avaliados, a cada busca surgem histórias, alegrias de nossas viagens, lembranças de pôr do sol, de nossas comemorações diárias. Quantas alegrias regadas a acarajé com cerveja na pracinha do bairro, de mãos dadas, de abraço dado, quantas idas à academia, e todo dia é uma novidade para dividir, quanto tempo de silêncio dividido na biblioteca na qual os funcionários já nos conhecem, quantos chocolates ( e até flores) partilhados para que o cansaço nunca ofusque nossa alegria diária, tantas vezes fechamos os olhos depois do cansaço que a leitura ininterrupta comove em nossas vistas, e cada vez mais, enxergamos as cercas.
O
mundo é uma coisa tão maluca, eu não sei dizer,mas há muito força na nossa
crença, enxergar nossa própria fragilidade, questionar a dança dos dias, ir à
feira, comprar sapatos, separar um tempo para te ler poemas.
Essa
nossa força me faz ser gigante.Vivo simples, não aspiro desafios de acumulação
como nossos pares, vivo simples, quero tempo, o tempo de te ver, te ver e
reparar nos cachos bonitos do seu cabelo, reparar nas suas escolhas lexicais,
nas suas sobrancelhas, no calor de sua respiração antes de você dormir, também
somos parte de uma teia de afetos, somos filhas, irmãs, somos pessoas que
ocupam um lugar,uma função, nem tudo funciona como a função prevê, não sermos
máquinas nos rende muitas lágrimas, muitos medos, muita dúvida na lida diária
com tanta gente, o poeta disse " a injustiça não se resolve",mas a
monja Cohen tem me ajudado a diminuir vaidade que há em mim.
Temos
reservado tempo, são tardes lindas, onde a luz da janela da biblioteca incide
em linha diagonal na mesa de madeira silenciosa que mobília a sala limpa. Esse
tempo nos aproxima, caminhamos. Pelas sintaxes gordurosas de enfadonhos
teóricos ou pela beleza imponente de escritores brilhantes, cada um deles, para
o deleite dos nossos olhos ou para desespero de nosso raciocínio, move alguma
coisa em nós, destrói alvenarias de sangue, do sangue de que se fez a primeira
casa da cidade.
Eu
tenho alegria de saber da nossa vontade junta, eu sei tão pouco, a minha
alegria de saber é imensa,não é um castigo estudar, não é feio passar horas
tentando encontrar entendimento, no fundo esse foi o luxo que eu sempre quis, O
luxo de ter tempo para pensar, quando olho ao redor vejo homens e mulheres que
não perguntam, seguem a lida diária, sem o Esteves da padaria, talvez não
percebam as teias de concreto que coloca cada um numa jaula, quem sabe sintam o
fruto sem lhe nomear o sabor, mas o fruto está cada vez mais desnutrido, a
sanha torta do querer muitas vezes nos põe em aflição, ânsia desordenada
de querer um cessar do exército de homens maus , esses que aumentaram a vida do
pobre junto ao ponto e fizeram subir 60 centavos o preço do café da padaria.
Mas
é na luta linda e boa para barrar minha própria ignorância, para fazer domar
essa minha burra vaidade, na luta para fazer caber a vigem dentro do orçamento,
é nessa luta limpa, sã e boa que eu percebo os milagres. Milagre vem de Do Latim MIRACULUS, “causa de espanto, admiração”, de MIRARE, “olhar com
espanto”, de MIRUS, “maravilhoso”. O aconchego da tua voz, na aula sobre
estilística descobri que persona,vem de per son, pelo som, é que é marca de
intimidade reconhecer o que entre todos nós nos diferencia, a voz, marca de
pessoalidade. A sua voz é uma casa que eu quero morar,Flor. Pequenos e
escandalosos encantamentos me tomam os olhos e os braços, quero na intimidade nossa
dizer com todo o meu corpo, som e força do milagre que é existir na tua
presença.
A tua presença,morena. A tua presença morena a embalar os
meus verbos de força e profunda doçura bruta, como beijos de desjejum. Nosso
Tudo é força,Flor.