domingo, 19 de agosto de 2012

A festa do Santo Forte


Uma mulher cercada de borboletas fazia bolas de sabão. O calor e o som dos trompetes amoleciam seu corpo que dançava nas mãos dos foliões. Ela usava faixa verde nos cabelos, os olhos carregados de rímel preto e o sorriso de quem viu uma deusa nua. Os lábios molhados na lata de cerveja suada. Ela parecia beber a lua, passos cambaleantes, braços longos, soltos, negros, ela roubou as estrelas e prendeu minha boca numa curva do seu corpo.
Quatro passos de samba. Caminhávamos entre carros, entre feridos, corpos abandonados na República, meninas vendendo sexo no Arouche, homens gozando a escuridão dos terrenos baldios. Bares, sinucas, cigarros, lixo na rua sem saída.
Longos beijos de vodca e cerveja e a luz da lua aos poucos fazia dela uma outra cor, um brilho de fogo, qualquer cor que queimasse minha pele e me fizesse perder o prumo, era assim: cor, maciez e calma. O som, devagar, perdia-se nas ruas cheias de gente, de promessas, de ritmos. Sua voz era canto ou grito, imperava sem verbos nos meus poros. O susto na noite imprevista, depois dos papéis, das estações, entre um metrô e outro: o susto: sustento do lúdico. A calma entre suas pulseiras de santo, seu cigarro, a fumaça no meu cabelo. O gosto da sua língua. Sua casa: varanda com suas flores, tapete dos contos indianos, luz apagada, almofadas de cores escuras. A banda seguiu de volta à Praça Roosevelt.
Eu segui seus sinais!
Místico e simples.

domingo, 12 de agosto de 2012


Hoje eu lembrei de você. Deu uma saudade de suas mãos. Eu sorri lembrando de nossas brigas, éramos tão diferentes em gênio, em juras. A vida está sempre a surpreender: um dia acordamos e ao lado há o vazio, morremos durante meses, anos até. Filme francês no sábado, domingo, segunda, músicas de Chico Buarque, jazz e bar, bar e jazz. Mas deus ou diabo faz aparecer um anjo, na fila da padaria, usando saia amarela, chinelos de hippies e segurando um livro do Saramago, de repente o anjo sonolento deixa o livro cair, eu pego e deixo minha gramática cair, meus verbos todos no chão. Eu estava indo trabalhar, ela indo dormir, era a cara de sono mais bonita do mundo. Combinamos de nos ver pra falar de feiras hippies, saias e Saramago. Foi quando lembrei de você, foi a primeira vez que eu lembrei de você  sem  tristeza nos olhos. Eu pedi um chá mate gelado pra comemorar com seu gosto a liberdade de não te ter como espinho.
Viver é um susto, amores de arame farpado, nervos de aço, corpo de sereno de bar, e de repente: anjo. Ela voltou à padaria, conversamos sobre chorinho, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, ela disse que dorme ouvindo Bach, expulsa seus demônios no samba, está tecendo um cachecol verde pra mim. Eu, meio triste e melancólica nos últimos meses, hoje sorri, senti saudade de suas mãos, senti, você está eternamente guardada em mim, mas sorri ao novo amor. Comprei cactos pra ela, vai que mais alguém goste de cactos, eu não sei, é tudo novo, é tão lindo descobrir, estou besta de novo. Fiz uns poemas com aliterações em “l”, comprei perfumes novos. Reli alguns contos do Rubem Braga.
Ela tem cheiro de incenso, gosto de canela e disse que eu estou lendo demais, que preciso de mantras pela manhã, eu deixei as teorias linguísticas de lado e leio sobre energias espirituais, já a apresentei a Ana Cristina César, ela gostou, mas prefere as minhas poesias, todas e únicas pra ela.
Eu vou comprar alianças de coco!
Eu vou morar no litoral.